quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O eclipse, o crepúsculo, a LUA NOVA.

Dois dos três homens que nos aterrorizaram em Maracajaú foram presos
na semana passada. Espero que continuem presos, nada além disso.
Desejei o mesmo para os homens que, na mesma noite, assaltaram e
agrediram o advogado Jobel das Virgens, e que também já foram
capturados.Mas  os meus anseios e crenças não coincidem com os da
turma da segurança pública do nosso Estado, e tais "elementos foram
eliminados". Pelo menos assim me disse, textualmente e cheio de
orgulho, um policial com quem conversei  hoje pela manhã na PGE.A
frase, dita de qualquer modo, já soaria trágica, mas o ridículo jargão
policial consegue pintá-la com tintas ainda mais vermelhas.

Perdi as contas das vezes que tive de contar, com riqueza de detalhes,
para conhecidos e até mesmo para alguns desconhecidos, como aconteceu
o assalto.Era voz quase uníssona que os bandidos teriam que ser
mortos. Alguns defendiam até que se adotassem métodos pouco ortodoxos
de execução, o tal do "requinte de crueldade", como se nós
merecêssemos uma vingança especial por supostamente pertencermos a uma
casta privilegiada da sociedade.

Como já disse à grande maioria de vcs, um dos bandidos chegou a falar
que iria nos matar para se vingar tanto da polícia como da sociedade.
A primeira porque, de tanto espancá-lo, tinha deformado o seu rosto; e
a segunda porque, ao lhe virar as costas,  obrigou-o a enveredar pelo
caminho sem volta da criminalidade, deformando, assim, o seu caráter.

A essas alturas, muitos de vocês devem estar tramando suas teorias e
formulando  argumentos contra a justificativa apresentada pelo jovem
rapaz, a quem  talvez prefiram se referir como marginal, ou bandido,
ou meliante, etc.... Tenho certeza de que quase todos vão defender a
tese de que essa é uma questão de índole, o que se comprova pelo fato
de que  há muitos vizinhos desses mesmos homens que ganham a vida
honestamente, e por aí vai. Um ou outro, mais bem informado, vai
também  recorrer a Lombroso e suas teorias para derrubar a tese da
vitimização feita por Dudu, o imberbe assaltante.

Pode até ser, mas eu não penso assim.Vi a morte de perto - a minha e a
de pessoas que amo de verdade- e tenho que extrair alguma lição
disso.Entre o trauma e a mudança de postura em relação à vida e ao
próximo, vou tentar me aferrar ao segundo. Entre a festejada lei de
Talião- a do olho por olho-, e o achanhado ditado popular de que
"violência gera violência", abraço, sem reservas, a segunda opção.
Interessante observar que, no caso do nosso assalto, a sede de sangue
da nossa sociedade,  que defende intransigentemente a eliminação dos
assaltantes,   sequer atinou para a circunstância óbvia de que não faz
sentido que se ceife a vida de quem optou por poupar a nossa.

Acho, sem demagogia alguma,  que TODOS NÓS somos  responsáveis
diretos pelo que aconteceu naquele dia.No mais das vezes, tratamos mal
ou, ainda pior,  desprezamos os desvalidos, os excluídos, os
"marginais", ou seja, os que vivem à margem da bolha social cada vez
mais restritiva que escolhemos para viver.Os nossos quase 400 anos de
escravidão, que deveriam ser motivo de vergonha e indignação,
continuam ditando nossas   ações e pensamentos.  Pagamos mal nossos
empregados e raramente respeitamos os seus direitos mais básicos.
Quase 90% da riqueza mundial está concentrada nas mãos de menos de 20%
da população. No Brasil, a concentração da riqueza nas mãos de uma
pequena minoria é ainda mais gritante.Recebemos em nossas casas, com
pompa e circunstância,  os lavadores de dinheiro, mas sequer olhamos
nos olhos dos lavadores de carro que nos abordam nos semáforos.Votamos
mal, quase sempre levando em conta nossos próprios interesses.Alguns
de nós  pagam propina, outros recebem, outros pagam e recebem. A
corrupção, institucionalizada em todos os níveis no Brasil,   não
escandaliza mais ninguém. Optamos por banalizar  o mal, a podridão, a
safadeza, a dor alheia.

Por esse motivo- e por tantos outros, de caráter científico, que não
vale a pena dissecar num texto dessa natureza-,  sou contra matar quem
quer que seja. Se é pra matar, que se extermine então todos os
responsáveis por esse estado de coisas. Sem exagero, acho que, se se
espremer pra valer, além  dos vizinhos dos pobres rapazes que insistem
em ganhar a vida honestamente, vai sobrar muito pouca gente...


Se não por nós,  talvez irremediavelmente contaminados, que pelo menos
sejamos mais cautelosos com a educação dos nossos filhos.Nesse caso,
se nossa vida não puder mais servir como  exemplo, melhor que optemos
pela dissimulação escancarada.  Muniz, um amigo querido e um homem de
bem, outro dia me mandou um email com uma frase lapidar, que resume
bem o que penso e que dizia mais ou menos assim: preocupa-se  muito
com o mundo que se vai deixar para os filhos, mas não com os filhos
que se vai deixar  para o mundo.

Aos que chegaram até aqui,  peço perdão pelo texto desconexo, típico
dos desabafos. Não tinha me manifestado até hoje sobre o assalto
porque achei que não poderia acrescentar nada, e também porque fiquei
com receio de que a minha revolta inicial me conduzisse a dizer algo
que eu viesse a me arrepender no futuro. Optei por falar agora para
fazer um libelo em favor da VIDA.Isso deveria ser absolutamente
desnecessário, mas infelizmente não  o é.   Não podemos aceitar
passivamente  que o medo e o preconceito nos transformem em
vampiros.Chega de sangue!Vamos manter os olhos bem abertos. Só assim
poderemos contemplar, na vida real,   o eclipse, o crepúsculo, a LUA
NOVA.
Wilkie Rebouças.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

BOSSA NOVA À BEIRA-MAR

Demorei 41 anos para ter uma casa de praia. Numa praia linda, onde meu filho adora tomar banho de mar. Comprei esta casa com dois grandes amigos. E na madrugada do último domingo, o sonho se transformou em terror. Eu gostaria de ter uma reação histérica, ser acometido de síndrome de pânico ou de um trauma nervoso. Ou cair em depressão. Mas em mim, as coisas funcionam de maneira diferente. O que eu sinto é uma revolta profunda, um desalento com esta merda de País, onde me acho fustigado pelos ladrões grandes e incapazes que nos governam, que nos lideram, e pelos ladrões pequenos, vis, cheios de ódio, de rancor e de violência. Eu não tenho medo. Eu tenho é raiva. Uma raiva tão grande que eu seria capaz de esmurrar qualquer desses palhaços que comandam ou comandaram o Rio Grande do Norte, o País e capaz de espancar o mais jovem dos assaltantes de Maracajáu - um verme - até ele ficar desfigurado. Gostaria de colocar o dedo na cara desses senadores históricos e deputados escroques do Rio Grande do Norte e dizer que eles têm culpa, muita culpa por esta merda. Dizer a estes governadores todos, ladrões e incompetentes, essas vacas de presépio, que eles construíram esta merda com sua incapacidade, sua corrupção, sua ganância, enquanto construíram para si ilhas de segurança. A culpa é deles. Gostaria de acusar este sistema judiciário de corrupto e conivente e dizer que eles contribuíram e contribuem muito com este caos.

Lutei contra a corrupção e lutei também por condições mais dignas nas prisões. Meus amigos são testemunhas. Hoje não tenho vontade de lutar mais por porra nenhuma - já havia perdido; isto não é efeito do assalto - porque este é um País de celerados, covardes, interesseiros e omissos e nada muda nesta merda, em especial no Rio Grande do Norte, que só anda para trás. Eu sou um omisso hoje, um desertor de todas estas batalhas. Hoje eu só quero saber de me fechar entre muros, quero saber de música e de romances. "I have my books and my poetry to protect me", como diz a canção de Simon&Garfunkel. Interessam-me apenas os poucos amigos que mantiveram íntegros seus princípios, a minha família e o meu filho, Leonardo, por quem eu gostaria de morar em outro País.

Bossa nova, em noite de luar, à beira-mar?

Ficar à beira-mar, em qualquer praia do Rio Grande do Norte, sentindo no rosto a deliciosa brisa do Atlântico, é coisa para inconsequentes. Ou para os muito ricos que podem privatizar uma boa segurança ou desviar efetivo da polícia estadual. Meu muito obrigado aos líderes do Rio Grande do Norte. Vocês destruíram mais um sonho.
Ricardo Alcântara

Quero o RETROCESSO !!!!

O saudosismo é um dos sinais que estamos ficando mais "experientes", porém, é sempre bom saber e lembrar o quanto envelhecemos bem. É realmente uma pena pensarmos que os nossos filhos não mais terão a oportunidade de fazer muitas das coisas que fizemos. Hoje entendo plenamente a paixão que meu pai nutria por Muriú. Era um verdadeiro refúgio. Para chegarmos lá íamos por estradas de barro, geralmente em péssimas condições, guiando os velhos e bons Selvagens completamente abarrotados, com todos os seus orifícIos preenchidos, numa epopéia que durava cerca de 1h e 30 minutos. Nesse último final de semana, coincidentemente, também fiz essa mesma reflexão, caro Ricardo. Ao ficar durante à noite escutando as irritantes e persistentes batidas dos graves desses novos pseudo-forrós, fiquei a imaginar uma praia que poderia ser também o meu refúgio. Um lugar sossegado onde teria o silêncio e a paz como companheiros, onde as minhas filhas pudessem brincar durante o dia e à noite tranquilas, onde pudesse adormecer numa varanda após um grande porre e acordar com o sol batendo na cara, sem medo ou receio algum. O PROGRESSO nos presenteou com a insegurança e a falta de tranquilidade. Quero minha Muriú de volta. Quero o RETROCESSO !!!!
Carlos Alberto Passos.

VERANEIOS EM GENIPABU

AINDA SOBRE A PERDA DA PAZ

Amanheci pensando em Genipabu e nesta manhã chuvosa isso me trouxe uma certa melancolia. Chuvas de janeiro, trazem-me sempre Genipabu à memória. Uma goteira recém-vazada em meu quarto no chuvoso janeiro de 2011 levou-me veloz e atônito aos verões de 1984 e 1985 e ao abrigo quase precário de telhas vermelhas bolorentas que filtrava respingos suaves e espaçados que se estatelavam em meu rosto bronzeado. Mais queimado que bronzeado, que naquela época protetor solar era apenas uma novidade afetada. Naqueles meados da década de oitenta, passei janeiros e carnavais lá, numa casa muito simples, à beira-mar, que meu avô alugava. Ficava a três casas da casa de Carlinhos Suassuna, que era o centro do mundo ensolarado e irresponsável. O dia todo saracoteando de uma casa para outra, banhos de mar no pé do “encoqueirado” morro ao final da tarde e, à noite, sempre uma festa, em casa apressadamente definida. O interessante – e em retrospectiva, triste – é que andávamos quilômetros para chegar aos arrastas. Às vezes, as festinhas eram do outro lado de Genipabu, perto do rio, e íamos andando. Dois a dois ou em pequenos grupos. As meninas também. Por vezes, a sorte de uma carona pendurada num indefectível “Selvagem”. Ficávamos lá dançando, esperando angustiadas horas para chamar uma menina para dançar – às vezes a festa sucumbia antes da coragem se manifestar –, já tomávamos os primeiros goles de batida e, ao final, nas primeiras horas da madrugada, voltávamos pelo mesmo caminho, a pé, na escuridão total ou na escuridão rasgada por tíbios fachos de lanterna. Não era incomum um casal, com incontrolável tesão adolescente, voltar sinuosamente pela areia branca.
Nem o mais rico dos meninos de hoje vai ter isso (Aliás, estes é que não vão ter mesmo). Não se caminha mais inocentemente pela praia, durante a madrugada.
Já sei o que me trouxe Genipabu à memória hoje. Tenho ouvido com muita pena que os veraneios hoje só são possíveis com jagunços. A leveza, o desprendimento, a atmosfera de liberdade das temporadas de praia é estuprada por homens armados até os dentes e preparados para reagir. O pior é que a imbecilidade já transformou os jagunços em sinais exteriores de riqueza: “Na minha festa ontem, havia dois seguranças do BOPE”; “Na minha casa, tenho 4 seguranças se revezando em turnos contínuos”; “No meu condomínio, são oito homens”. A imbecilidade sempre encontra seu jeito de ver vantagem onde só existe o fracasso, a perda e a violência em estado puro ou latente.
Eu, claro, gostaria de sentir os respingos de chuva por entre as telhas.
Ricardo Alcântara.